terça-feira, 29 de novembro de 2011

Meu quarto escuro

No quarto escuro do meu coração tenho tido tempo e talvez até muita coragem, para examinar o que tem permanecido soterrado, as lembranças mais doces, e algumas mágoas. Eu me impressiono com a minha inconstância, essa facilidade de me desapegar de certos sentimentos e impressões, de todos eles até. Pego-me formando opiniões sobre as pessoas, tendo certeza do que estou fazendo e, instantes depois, tudo se esvanece e não tenho o menor remorso, praticamente não me esforço para transformar meu mundo de juízos em outra coisa completamente diferente.

Assim é que chagas são curadas, dores são apaziguadas. O que me tem doído? Aliás, parece difícil sentir dor esses dias, com todos esses fluxos de alegrias, esses jorros de felicidade que tem sido minha vida nos últimos meses. Mas sempre haverá motivo para nos queixarmos. Dessa vez foi a frustração de um grande projeto, que era só grande mas nada tinha de muito piedoso, era ambicioso e pouco religioso, mas era com a intenção mais religiosa do mundo! Enfim, ruiu...

Mas novos caminhos estão surgindo, Difíceis, sim, caminhos complicados onde não sei onde pisar, nem como pisar, e mal sei porque estou pisando. Mas por que o 'por quê'? Ele é mesmo necessário? Preciso de todas essas razões, de toda essa fundamentação em tudo que faço, ouço, sinto, penso, cheiro, amo? Não, eu não sei se é necessário, não sei de mais nada, só sei que a estrada se abre diante de mim e eu seria muito estúpido em escolher qualquer outra no momento.

Que venha a graduação de filosofia.

No quarto escuro, outros planos são feitos, decisões tomadas, amores esquecidos, paixões nascem e olhares passados formam sentimentos sólidos. Nesse balanço, vejo mais decepção e uma grande insegurança, um medo tremendo. Vejo a esperança mais ingênua, um sonho que me volta frequentemente. Lembro de um olhar em fogo, de uma saudade que não se explica, sinto o que isso representa e estremeço. Acima de tudo, o meu quarto escuro é bem zoneado, escuro, feio, mas é o lugar mais belo, mais natural, o local de reencontro. Pra mim ele é perfeito, porque só nele as coisas fazem sentido.

No quarto escuro do meu coração, vejo um caos, turbilhões de sentimentos contraditórios, um infinito se descortinando diante de mim e as coisas ainda não fazem sentido. Por enquanto só sinto o vento bater no rosto, a estrada não está clara ainda. É perigoso viajar à noite.

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Distância e saudade

Preciso desabafar hoje. Bem, existe a distância nos relacionamentos, da qual falei em posts anteriores. Lembro de ter mencionado que o risco da distância é ela se tornar distante demais e te forçar a criar uma falsa imagem de si mesmo e essa 'máscara' costuma levar amizades pro inferno junto com ela. E é difícil mantê-la, difícil, falso e doloroso. É preciso ser verdadeiro, sim, mas mantendo o pudor. Suponho que essa regra de Nietzsche, que é minha regra também, tem sido violentada por mim...

Não pela profundidade, não, ainda sou capaz de dizer a mim mesmo coisas que não digo em público e sou capaz de me revelar aos poucos e sou igualmente capaz de me descrever e falar de mim sem ser falso e, ainda assim, usando essas informações pra me esconder. São habilidades necessárias, ou algo como instinto de sobrevivência? Talvez seja só fraqueza mesmo, e eu esteja usando de pequenas convicções e pseudo-filosofias para fugir do combate social, penoso e que exige esforço? O que sei é que tal distância é muito difícil de medir e é complicado querer que isso te 'salve' de embaraços. Não há salvação, o embaraço é que une, não é a elegância, a beleza, a força, não!, é a debilidade, a vergonha, aquelas coisas que te expõem e criam uma fraternidade através da dor, da dor transfigurada em riso pela vida que se celebra... agora sim é filosofia! É algo real!

Anyways, a minha falha foi a dissipação, o que me é algo natural. Ou algo patológico. Dissipar-me em múltiplos interesses e amigos, em muitas coisas e pessoas, absorver tudo à minha volta. Isso me conforta, me adapta ao local, diminui o sofrimento, é um atalho, mas... é um caminho de falsidade. Uma estrada sem destino certo, sem destino nenhum. Devo dizer que ser muito seletivo quanto a interesses só pode ser motivo de sofrimento, preferir esse ou aquele grupo pode criar uma limitação muito grande, te fechar em visões muito estreitas de mundo, mas... essa dispersão, essas dúvidas, esse oscilar para lá e para cá, isso não me faz bem e venho pensando há tempos em ser mais sincero comigo mesmo, lutar mais para ser mais autêntico e menos disperso. Que essa dispersão é vontade de nada, é niilismo.

Falando de saudade, é outra coisa que vem me perturbando à exaustão. Apesar disso, é a saudade meu único critério pra definir o quanto tal pessoa é importante pra mim, o quanto ela me influencia (inspira, influencia é meio polêmico), como essa pessoa me atrai e o quanto de dor eu sinto por não tê-la sempre, ou a maioria do tempo, comigo. Uma dessas pessoas deu o empurrão que eu precisava para converter esses processos existenciais em projetos verdadeiros de mudança de mentalidade, e exatamente porque confio que essa pessoa quer o meu bem, se preocupa comigo e bem... é uma pessoa fantástica. Saudade é um bom critério, é um referencial de qualidade, de sentimento verdadeiro.

Saudade que pesa, que arrasta, que desgosta, mas é boa. É boa porque me revela a verdade, me ajuda a afastar o que me faz mal, o que não me inspira nada além de saudade de uma sombra de sentimento, de uma máscara, de um uso das pessoas. Estou me afastando... silenciosamente.

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Tu és responsável pelos pecados do mundo inteiro

Lendo um dos pensamentos dos monges, a necessidade de jamais julgar alguém faz eco aos conselhos do starietz Zóssima, de Dostoievski: "És responsável pelos pecados do mundo todo". O que isso quer dizer afinal? Como podemos ser responsáveis pelos erros, vícios, pecados de todas as pessoas do mundo? Isso é possível? Podemos carregar essa culpa toda, esse fardo pesadíssimo? Isso é mesmo verdade.

Ao se oferecer por nós na Cruz Vivificante, o Cristo nos recuperou do domínio da morte, fundou e purificou Sua Sacrossanta Igreja, e fez mais: ele reuniu a humanidade decaída e salva por Ele na união divina Consigo Mesmo pela força do Espírito Santo. Isso que é a Igreja: sacramento universal de salvação, a peregrina na Terra que anseia pela felicidade eterna no céu. É teantrópica, divina e humana, a única instituição humana fundada, fortalecida e defendida por Deus que nela atua, ama e protege Seus filhos amados.

Assim, temos a comunhão dos santos, a união e comunicação profunda de todos os filhos de Deus como uma corrente inquebrantável de amor, um amor tão forte, tão profundo, maravilhoso que quebra todas as cadeias e limitações da carne e mesmo do espírito humano. O homem se transfigura em nova criatura e inicia na terra sua caminhada de deificação, até ser transfigurado em novo homem e ser purificado, atingir o estado de santidade, o céu. Mas não está só nessa caminhada.

Você, que aspira à salvação, que quer encontrar o Senhor da Vida, o Bom Pai, o Dulcíssimo Senhor Jesus Cristo, o Espírito de Consolo, você que quer ser deificado, se transfigurar no homem novo, todos vocês, cristãos ortodoxos e heterodoxos sinceros na busca, vocês tem um maravilhoso exemplo, um exército inteiro de Santos, apóstolos, mártires e Padres, a interceder por nós com suas orações puras que sobem como incenso diante do Senhor, que ouve com carinho as preces dos seus filhos diletos, a Ele mais próximos.

O maravilhoso exército dos Santos em suas preces por nós, e nos pedidos de orações que dirigimos a eles, assim como dirigimos aos vivos e assim como rezamos a Deus pelos mortos não é nada mais nada menos que a prova de que não há mortos em Cristo, ou seja, o amor do Senhor por nós, na Sua Cruz e na Sua Ressurreição, quebrou todas as barreiras, mesmo as fronteiras da vida e da morte. Pelo batismo nos sepultamos com Cristo e com Ele ressuscitamos, destruindo a morte para nós.

Pela nossa deificação ou afastamento de Deus, garantimos a nossa alma um estado de luz beatífica ou de escuridão. E assim será até o Juízo Final. Mas não falo disso exatamente. Falo da comunhão dos santos.

É a comunhão dos santos que torna verdadeira a sentença: "Tu és responsável pelos pecados do mundo inteiro". O motivo é simples. A comunhão dos santos é como uma grande família onde nos ajudamos uns aos outros com orações e súplicas ao Senhor e, mesmo com as diferenças de estados espirituais, ser cristão é estar inserido nessa família. e isso tem dois lados:

1-se oramos por nós, pelos mortos e pedimos as orações dos santos, essa comunhão é uma comunhão de amor pela sacrifício mútuo e pela generosidade. Isso implica na entrega voluntária pelo outro.

2-mas implica também em nos sacrificarmos uns pelos outros. Não é só orar pelos outros. É orar pelos outros como oramos como por nós mesmos. Quando oramos por nós mesmos, pedimos que Deus perdoe nossos pecados e pedimos não com palavras, mas fazendo metanoia, cheios de arrependimento, de remorso por termos ofendido a Deus e nos prostramos diante do Senhor cheios de humildade, livres de maldade, de sentimentos e pensamentos maus e blasfemos. Toda essa purificação, dificilmente alcançada, é nosso objetivo enquanto desejamos nos salvar, ao orarmos por nossas almas.

Mas e quanto às almas dos outros, e quanto às orações pela saúde e pela salvação de nossos pais, familiares e amigos? Rezamos por eles? E se rezamos, só repetimos as orações? Ou nos purificamos, olhamos para dentro de nós, pelos pecados DELES como se fossem nossos? É isso que implica também a comunhão dos santos, sofrer pelos pecados do mundo inteiro. Aguentar as penas de todos os roubos, assassinatos, violências, imoralidades e blasfêmias cometidas contra Deus. Ser cristão é se santificar continuamente e esse constante processo se dá principalmente pelo sofrimento que nos purifica, sofrimento pelos pecados do mundo inteiro que enche nossos olhos de água, tristeza e angústia pelo mundo que se afasta do Deus e, transbordantes do amor de Deus e a Ele pela humanidade, nós sofremos por todos esses pecados, pedimos perdão por eles, perdão com nossos lábios, corpo, membros, mente, coração e alma.

Sangrar em espírito pelos pecados do mundo inteiro, ser um Cristo, é esse nosso objetivo, nossa vocação, só assim nos libertamos e libertamos o mundo. Só essa beleza salvará o mundo. Só o Cristo renascendo em cada um de nós salvará o mundo e os seres humanos.

domingo, 6 de novembro de 2011

Quando se torna excessivo

Suponho que deve haver um limite de tolerância para certas coisas, uma linha que marca as fronteiras do aceitável e do 'não-é-de-sua-conta'. Eu não creio que possa impedir as pessoas de se meterem na minha vida, é direito delas, de algumas delas. Até certo ponto. Voltamos à 'distância'.

Existe uma certa classe de pessoas que pensam que podem criticar tudo, que podem submeter tudo a seu crivo, seus juízos pretensamente universais, sua visão de mundo tão bem estabelecida, sua filosofia moral. Na maioria das vezes elas nem tem base alguma. Ou muito pouca. E sua consciência de sua própria sabedoria é extremamente variável. Além disso, elas não podem se imiscuir assim na vida das pessoas, tendo ou não, uma base moral firme.

Creio que em tempos de moral tão subjetiva, tão instável, não seja possível fazer um juízo sério das pessoas. Há tempos atrás tínhamos os mestres, os filósofos, as religiões. Isso mudou, esses guias parece que perderam sua credibilidade com os avanços da ciência psicológica, com as críticas dos grandes desbravadores da alma humana como Dostô, Nietzsche, Stendhal, entre outros. Perdemos esse contato.

Outro ponto é a facilidade das redes sociais de interligar toda a internet em torno de um certo padrão flutuante de comportamentos, humor, atitude, um sentimento hipster constante e mutante, uma nerdisse falsa, uma imposição de padrões. O que se consegue é uma uniformização imposta pelas críticas e bullying sempre frequente em vista disso. Não é crítica racional não, é bullying mesmo, quase sempre inconsciente.

Então nos tornamos pequenos monstros que desprezam todo a história moral da humanidade e viramos críticos ferrenhos, de forma quase irracional, de tudo que desafie essa nossa padronização. Aí você não pode culpar ninguém por se sentir ofendido quando você se torna vítima de certas críticas, mesmo as mais idiotas. Você sempre se submeteu, sempre foi parte do sistema, sempre soube que seus esforços pra se submeter eram esforços pra não ser ridicularizado. É como na vida real, mas mais intenso, e menos vívido, mas não menos traumático.

Por isso digo que a internet não tem de ser temida como algo pior que a vida. É a mesma coisa. A internet é o que fazemos dela. Assim como a vida social.

Talvez eu devesse voltar aos velhos mestres, sim, é o caminho mais acertado. E tem outra coisa: na vida real você sempre será cobrado pelas coisas mais absurdas só se você ABRIR a porta da sua intimidade pras pessoas. E se você, como eu, tem facilidade em se abrir, você tem facilidade em deixarem os outros entrarem e colocarem as mãos sujas no seu coração; eles entram, pegam de forma sacrílega seus preciosos ícones, apertam-nos, esmagam, avaliam, medem, julgam tudo, nada deixam intocado.

“Onde está o teu tesouro, ali estará também o teu coração” Mateus 6: 19-21



quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Vida que se esvai - parte 2

Como é viver assim? Sem grandes expectativas concretas, mas cheio de esperanças, as esperanças mais absurdas e fantasiosas, os sonhos mais impossíveis e pior: com a consciência da impossibilidade da realização da maioria desses devaneios. Sentimento de apequenamento, de infelicidade crescente, de ódio que se alimenta da tristeza, a tristeza má, perversa, desumana. Eu não sei bem como vivi, prefiro dizer que senti o peso dessas infelicidades e o suportei porque sou pouco exigente, a cultura e as ocasionais situações de amizade verdadeira que surgiam... me revigoravam.

Saber que tudo estava ali, ao alcance das mãos e não ser capaz de estendê-las, tocar um pedaço da vida, tomá-la e seguir com ela, amando-a e, de certa forma, a devassando da forma mais doce possível. Saber que nossos sonhos foram responsáveis por tamanha deformação da realidade. Mas minha vida não foi só isso, não se resume a isso. Ela foi também amor á razão, ou o que restou dela, foi uma vida de sacrifício constante, de entrega de dúvidas, de certezas afirmadas. Tem sido assim... luta contra tentações.O celibato é coisa pequena.

A primeira grande decepção no amor foi uma escola. A oração foi faculdade, mestrado e doutorado. É errado dizer que as decepções nos forçam a nos esconder,a fugirmos. Se o fazemos é porque não estávamos prontos ainda para a vida, e o destino nos preserva, ou nós tentamos adiar o inevitável. E não há nada novo debaixo do sol. A minha decepção me levou ao celibato por conta do choque, do peso gigantesco de um amor tão grande que já era insuportável carregar, e vê-lo desmoronando daquele jeito... eu preferi jogá-lo de um penhasco, permitindo que um pedaço do meu coração despedaçado fosse com ele, a ter de assistir o sentimento se desgatar, enfraquecer, mudar em ódio, desprezo, naquilo que me destruiria por dentro. Sem nada encontrei consolo em Deus.

Ou na Igreja. Meu despertar espiritual foi na Ortodoxia. Roma foi um engano. Um engano recorrente de dogmas, sistemas, filosofias, morais e outras coisas impostas. Roma não era Deus, era algo demasiado humano que me atraía pelo esplendor. Mas o esplendor secou, parou de brilhar pra mim. A luz da santidade fria foi derrubada pela Ortodoxia.

Esse foi um lado da minha vida. Outro lado foi o calor.

Redescobri-o. O calor de pessoas queridas, a vida se abrindo de novo pra mim, em pernas e portas, mas sempre de forma pudica. Sempre imaculada e devassa a minha vida. Vida em si. A vida que me conquistou veio pelo que ela era: momentos, vivências de partilha de sentimentos, de trocas de rituais significativos, de sorrisos e olhares doces, de profundidade, de álcool e noite. Noite! Fria e doce, noite que nunca aprendi a apreciar, a amar, a querer perto e beijar. E nessa noite, nessas noites, eu via além dos rostos...

Bom, cansei dos hinos à amizade, eles tentam expressar o inexprimível. Por isso falham, embora sejam belos.

Fala-se muito de amizade e nesse post sobre minha vida, posso dizer que mudei, evoluí minhas concepções dela. Valorizo-a bem mais que antes, mas sou cuidadoso com as pessoas. Não espero muito delas, mas algumas pessoas me entusiasmam à loucura... talvez por serem um raio de luz nessas trevas de apatia, ignorância e covardia. Eu mal me seguro, amo demais as pessoas, mesmo quando conheço seus podres, amo as pessoas e me expresso de forma um tanto quanto... eloquente demais. Peço perdão por isso. Pela invasão.

O que é minha vida então? É confusa como esse post. É moldada pela fé, envolta em dúvidas e ilusões sonhadoras. É obsessiva com a realidade, ama ser intelectualizada, no entanto é ignorante. Ela é essa coca-cola toda, sem grandes cenas mas fingindo ser grande, pra me consolar. No fundo, porém, é uma criança que  mal aprendeu a andar e tem suas muitas travessuras antes de chegar à idade adulta. A puberdade será pulada.

segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Vida que se esvai - parte 1

A vida pode ser interpretada de diversas formas, pode ser refletida, abstraída, simbolizada. Ela pode ser uma extensão da subjetividade, a pura objetividade ou mesmo um jogo entre sujeito e objeto. Ela pode ser intermediada por signos, ou ser dada nas nossas percepções como ela é. Tudo isso são interpretações, aproximações do que é a vida enquanto ideia, mas jamais enquanto fenômeno. São ideias, conceitos, mas raramente apresentam-na como ela é, como coisa vivida, como sucessão temporal de eventos e experiências.

Falo da minha vida. Experiências e sentimentos. Vivências. Entre todas as variáveis que envolvem e limitam a vida, o que a caracteriza e identifica são suas vivências, as experiências que experimentamos. Vida é o que se vive, quando se vive, como se vive e, menos importantemente, por que se vive. Ou assim penso. Como foi minha vida?

Minha vida tem sido uma coleção de experiências únicas, de sensações, um saciar de vontades e apetites, principalmente os mais egoístas. Assim se movimenta todo o consumismo, toda  a cultura, como narcótico, sedativo. Tudo isso nos conforta, alivia, mas não é mal como parece. Não é, porque a cultura não é uma de puro otimismo e confiança na vida, na cientificidade. A corrosão da filosofia da vida em sua totalidade, seu enfrentamento de felicidade, virtudes, amores, eternidade e sofrimentos, misérias, ódios e devir, tudo influencia a cultura, e tal cultura recapitula a existência, a simboliza. Satisfaz o apetite interior de não apenas alegria mas também de superação pelas desgraças.

Mas é falso quando a cultura é narcótico apenas, quando não inspira a própria transfiguração. Se a vida permanece estática, se alimentado de sonhos, vivendo as vivências fictícias da cultura, assumindo a pobreza de alma e a riqueza alheia, a nobreza não merecida, o feio inverídico. Vivi assim por muito tempo, cortando meus laços com o mundo real, reduzindo minha vida a uma cópia das vivências da cultura. As lições foram absorvidas, mas o que faltou? O que me esperava era terrível, era preciso contato com o exterior, respirar certos ares mais puros, ser solitário e solidário comigo mesmo.

Decerto que as caminhadas solitárias possibilitam ao espírito voos mais altos, mas falta alguma vivência aí. Não se vive só, de suas próprias experiências, ainda mais quando elas são tão antinaturais. Vou além e digo que só há verdade crescimento, amadurecimento, descobrimento de si na contemplação do outro, no mergulho no outro, no amor, na partilha, no saborear das experiências compartilhadas, na comunhão do olhar, do sentimento, do pensamento. Vida só é vida quando o eu se universaliza, se objetiva e isso só ocorre na troca de olhares, os mais belos e profundos. Amizade é vida.

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Caminho da dor

A nostalgia é algo frequente em mim, mas só é ruim quando acompanhada de sua amiga melancolia. Não se trata propriamente de remorso, mas de um conformismo com aquilo que não se pode mudar. As lágrimas podem descer mas a dor não é insuportável, não dilacera. Ela é constante e pode até ser pior, mas há uma 'convertibilidade' que só a melancolia possui.

É algo que experimentei por um longo período. Minha melancolia era um misto das dores frequente do sonhador que não aceita a realidade e está sempre em conflito com ela. Costumava detestá-la e colorí-la com meus sonhos, falseá-la. Essas contradições, somadas com dores particulares: o devir opressor, as decepções, o amor falso e a vida mal vivida; tudo isso azeda a existência, faz feder o hálito mais exuberante da natureza. Esse estado de lenta putrefação nos prostra em desespero crescente, mas... traz um grande consolo.

Toda a dor da melancolia nasce de um processo racional ou através de um instinto de 'tomar consciência' das mudanças, processos, do desenrolar da vida, de nascer para um mundo racional que absorve e interpreta esses dados. Com o tempo, essa dor da percepção pode ser 'convertida' em uma nova consciência, uma universalização que concilia as contradições, as une em um tecido complexo, mas que faz sentido.

O que ocorreu comigo foi perceber a imensa vulnerabilidade do meu coração, presa das tristezas constantes da melancolia, pressionado por essas dores. A minha reabilitação se deu pelo entendimento da minha situação, pelo debruçar nos meus vícios e problemas, minhas limitações. Entender o que se passa, encontrar um sentido para esses tropeços todos, isso me doeu de forma dilacerante. Entre as decepções, o mais duro foi ver com esses meus olhos como a vida me escapou dos dedos...

Acho que o remorso diante da vida que escorre como água pelos dedos merece um post dedicado a ele.

terça-feira, 25 de outubro de 2011

Minha doce rosa, querida amiga

Nesse uso intermitente de pessoas e ideias, de forma sensual, com o fim de satisfazer minhas necessidades psicológicas, eu acabei conhecendo um pouco da loucura, do peso da negação da realidade. Saber que tudo aquilo que se acreditou e amou por tanto tempo era pior do que uma mentira, era um sonho, um delírio. Foi a grande lição da minha adolescência mais tardia: descobrir como me livrar disso, como enfrentar, como contruir meu verdadeiro eu. Talvez as mudanças que sempre causei ao meu redor e a mim mesmo não passem de um reflexo dessa obsessão com o sonho, com essa visão romântica da existência e essa santificação do sofrimento.

Parei com as lamúrias, vamos em frente. As coisas me pareciam menos desesperadoras quando experimentei um jorro novo de vida, uma reaproximação social, um banho de realidade, realidade das relações verdadeiras entre as pessoas. Era uma porta que eu fechara há muito tempo atrás e permanecera fechada por um longo período. Ver essa efervescência de emoções, essas risadas que alimentam a alma, o contato sem culpa, o fogo da amizade, enfim, tudo isso despertou em mim amor pela realidade, vontade enorme de viver. As máscaras foram caindo, uma a uma, e caí em um torpor grandioso, fui redescobrindo certas coisas, me abrindo para o mundo... isso não é novidade. Ninguém vive isoladamente, por mais que a solidão seja sintoma e causa da doença do sonhador, do sujeito que desiste de viver para sonhar eternamente, deixando a vida passar.

O romantismo inicialmente se sutilizou, apareceu de diversas formas, matizes, cores, e sempre diáfano, com raros momentos de êxtase e nunca amores idealizados ou idealizações de amor nas pessoas, mas verdadeiros enganos. Apenas a doce afeição, a saudade cálida e orvalhal, o sentimento de sentir amor pela primeira vez, não mais sonhar com amor, mas sentí-lo verdadeiramente, não por esta ou aquela mulher mas por várias pessoas que me fazem bem, me confortam, me estimulam e divertem. E eu tento retribuir. 

Claro que houveram perigos. Perigo de me afogar nesse mar, de não me suster e o perigo de não me adaptar, me sentir sempre estranho. Mas isso passou... ou está passando. Como posso comparar e relacionar esses doces sentimentos com essa paz indiferente que sinto hoje? 

Não me importo mais com as grandes paixões, os dramas profundos, as dores intermitentes, os paraísos arruinados... isso prejudica a bílis. E faz sofrer. Eu decidi afirmar a vida em mim, tomá-la nas mãos sem a possuir, sorvê-la, saboreá-la como meu vinho preferido. Não se trata de nenhuma filosofia de auto-ajuda, NÃO!, trata-se de reabsorver a Natureza em mim e nela me dissolver. O que vivo hoje é apoteose, é hino de louvor eterno à vida, tudo encerrado no maior equilíbrio possível, na paz de espírito, no amor entregue, cultivado e bem amado. Tudo em mim canta, canta a Deus e a Seus Anjos e Santos, tudo em mim celebra a paz que se abre ao mundo e deixa a luz do Sol entrar. 

Eu sou a árvore da vida, com os galhos balançando com esse vento, e eu mesmo sou essa brisa suave, quente. Sou essa falta de remorso, essa verdade mutável, sou só um ponto ínfimo no Universo e eis aí minha grandeza, e minha paz. Minha doce rosa, com teus espinhos, a me lembrar do sofrimento que devo aceitar, e tuas pétalas a ressuscitar Tudo em mim, a me purificar e salvar.

Uma longa estrada

Como estou me sentindo nos últimos dias? Sinto-me maduro, adulto. É um grande progresso vindo de quem sempre se comportou como criança, para o bem e para o mal, de quem sempre se orgulhou de agir sem consciência, caoticamente, impulsivamente, tropeçando nas coisas e nas pessoas. Só para sentir remorsos, me rasgar de culpa, corroer minha alma com essas dores, para me levantar e ir vivendo a vida como um palhaço, um fantoche, levado pelo destino e pela vontade do caos. Aí remorsos...

O que mudou? Romantismo. Eu sou romântico, ou pelo menos era, fui por muitos anos. Posso dizer que toda a minha sensibilidade, meu caráter mesmo, foi influenciado pelo meu romantismo, não qualquer romantismo, mas o meu. Seja vendo os finais felizes dos meus desenhos e filmes, séries e livros, muitos romances que me arrancaram lágrimas, eu fui deixando isso me moldar e esse sentimento esteve presente nos meus primeiros delírios de amor. E marcou presença nos anos de decepção, sofrimento pelo amor que eu nunca tive, que nunca existiu. Romântico eu fui nesse tempo todo, seja chorando pateticamente em comédias românticas e em romances que lia exaustivamente, buscando me identificar, na imaginação, com aqueles pobres infelizes e suas dores, alegrias, expansões, medos, esperanças, suas vidas, tão fictícias quanto suas histórias. Narcóticos...

Sim, porque toda essa fantasia era narcótica e se você sai da infância pensando no amor como uma grande brincadeira, que lhe resta? Fantasista, assim me definia. Sonhava por horas com esse amor impossível (que nada tinha de impossível), fantasiava cenas românticas (e impossíveis), finais felizes e caseiros. Minha mente produzia novelas inteiras! Familiar não? Todos nós somos um pouco fantasistas, mas alguns exageram, como o rapaz de Noites Brancas, de Dostoievski. Aquele personagem sou eu cuspido. Impressionante. E o pior efeito dessa doença era o amor que não só era idealizado à estupidez como era retransmitido a todos ao meu redor. Deus sabe quantas me cativaram, por quantos me apaixonei, mas no fundo era só a maldita idealização         .

Eu via as pessoas ao meu redor como autômatos, como pequenas peças de um jogo de xadrez, como se elas não vivessem realmente e só eu pudesse enxergar o 'big picture', por assim dizer. Que filosófico! No entanto, passava longe de crítica a ideologias, mas de submissão a uma ordem de coisas, estados e sentimentos, submissão doentia a uma ordem doentia, e toda aquela confusão de sentimentos, de pensamentos, a euforia causada por um devaneio idílico, as decepções dos sonhos despedaçados porque vivia a sonhar e fugia da realidade, que se tornava feia porque eu a FALSEAVA ao enxergá-la com olhos de sonhador, olhos mentirosos, enganosos, incapazes de enxergar a beleza da vida, da existência.

Aquele rapaz das Noites Brancas devia viver esse mesmo inferno. Deixei de querer parecer com ele, deixei de querer sentir dor.

sábado, 22 de outubro de 2011

Cansei...


Cansei das meias-palavras, meias-verdades, de ficar passando mão na cabeça de quem me provoca, critica e me ofende. Sim, porque fazer piada com o Cristo é uma ofensa gigante pra qualquer cristão.

O Senhor Jesus não morreu numa cruz pra que seus amigos virassem esses covardes conformistas, entediados, e sempre com medo de discutir, de defender a fé, que mal conhecem a fé que professam. Eu não poss
o traí-lo assim. O que Ele me deu e me dá todos os dias não tem conta, Ele me deu tudo.

O mínimo que posso fazer é defendê-Lo, com unhas e dentes, de ataques e acusações, deturpações e acusar esses falsos cristãos que O falseiam, O traem.

Enfim, cansei de ser bonzinho,covarde, conciliador. Isso fode.

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Sou uma pessoa agradável

Alguém me disse uma vez que vivo fazendo tudo para agradar as pessoas. Que minha carência me compele a me fazer 'agradável', palatável. Da mesma forma, minha carência e necessidade de atenção me compelem a ser desagradável, a polemizar sobre picuinhas, até mesmo a ser falso e me fazer interessante às custas dos outros, de sua confiança. Admito que tudo isso tem muita verdade, mas é sempre duro ver como as pessoas te enxergam, de uma forma mais analítica. Felizmente essa pessoa me é muito confiável, sincera até os ossos, alguém em quem posso encontrar conselhos sinceros. Mas...

Eu não me considero uma pessoa desagradável. Não, sou até muito agradável. Escuto as pessoas, suas lamúrias, posso ser um ombro amigo muito sincero. E confidente. Sim, seus segredos estão a salvo comigo. Não brinco com seus sentimentos e posso ser leal até a morte. Sou parte de você se você me abrir a porta, mas sempre estarei como um 'outro', não me confundirei com você, por pudor. Respeito sua privacidade, seus segredos. Tenho os meus. Todos tem. Essa história de dividir tudo com os amigos é uma ideia podre, que acaba com qualquer amizade, ela só cria uma cumplicidade ardilosa, tensa, explosiva, venenosa. Eu prometo te respeitar, te honrar, defender sua honra. É tudo isso por que quero ser agradável?

Não, eu simplesmente não concebo a amizade de outra forma. Essa entrega pelo outro, as confidências sempre presentes, abismos compartilhados, tudo aquilo que se obedece até certo limite, o limite da nobre distância... Isso faz parte da minha concepção de amizade. E tenho poucos amigos, a maioria formada por amigos que são tão distantes, são como companheiros de atividades que riem comigo da vida e se divirtem comigo, e me acham engraçado ou abobado. São pessoas preciosas pelo bem que me fazem, pelas alegrias que compartilhamos mas... eu não me revelo a elas, nem mesmo me revelo à distância. Permaneço desconhecido.

Talvez seja por isso que eu tenha tanta dificuldade em manter amizades. Antes e depois da minha fobia social, isso já existia, e voltou. Tenho a impressão que eu passo pela vida das pessoas como uma quente brisa, algo que as conforta e alegra, às vezes incomoda, mas não se sabe de onde veio nem que está ali. Acabo saindo imperceptível e esquecido. Isso é patético e triste de contemplar. E por quê? Pela distância. Sou extremista demais: não posso me aproximar de ninguém com sinceridade sem me derramar inteiro, sem afogar as pessoas na minha miséria, enlouquecê-las com meu suicídio lento e constante, com minhas verdades absolutas e profundidade fingida. Só me restam as máscaras.

Não sou falso. Só não sou tão verdadeiro quanto gostaria. Por medo. Medo de sufocar. E volto a lembrar minha amiga dizendo que quero ser agradável. Quisera ser simples assim! Sou agradável sim. Por dentro e por fora. Só me é difícil dosar a alma que derramo nas minhas ações, palavras e sentimentos. Sou desequilibrado, caótico, perdido e tenho uma personalidade sombria difícil de lidar. Então acordo de manhã e enquanto tomo meu banho fico pensando quantas pessoas não se anulam, se mascaram todos os dias e noites de Deus. Isso me acalma, me dá uma paz gerada pela identificação com a humanidade. Eu pelo menos tenho um trunfo: eu me conheço. Sei o que se passa comigo. Mas será que eu sei mesmo? Duvido muito.

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

A ortodoxia de Chesterton e a minha Ortodoxia

Apesar de ser um convertido católico romano, o que mais chama a atenção em Chesterton é ser ele um convertido, e um convertido do ateísmo. É interessante ver como ele desmantela, no seu livro Ortodoxia, muitas das falácias e ideias sedutoras do ateísmo 'científico' e niilista sobre a religião, Deus, liberdade, Igreja. Mais que isso: sua defesa inteligente, bem humorada dos ideais cristãos, da ortodoxia cristã, fora de qualquer relativização.
Não. É ainda mais.

Em Chesterton, a ortodoxia, a fé verdadeira e livre de erros, heresias, sincretismos, mas sempre posta em cheque por sua própria natureza de verdade, aliás, a própria busca da ortodoxia se converte em razão maior da vida, da existência e único fundamento do Todo. Para isso contribuem as visões originais do pensador sobre como vê sua vida, antes e depois de tocado pelas graças da Verdade do Verbo da Vida. Isso é precioso. Porém, a ortodoxia dele é polêmica, é um ultimato vigoroso aos ateus e niilistas de forma geral: vocês não possuem nem a verdade que dizem possuir, quanto mais a verdade mais provável.

Tudo se concentra então no buscar da ortodoxia mais provável, na luta constante e inquieta e terrível, no preparo sempre exigido. Enfim, eu... enjoei dessa ortodoxia. Do racionalismo romano é que estamos falando, claro. É belo em sua simplicidade e garboso em sua elegância, altivez, profundidade. Talvez seja até ardiloso, pantonoso tal caminho.

A minha Ortodoxia é diferente. Ela não dá provas de si, ela se manifesta. A Santa Ortodoxia não precisa da filosofia mais que precisa de uma ajudante, não se submete a ela, nem dela necessita para afirmar sua superioridade aos vãos raciocínios humanos, sua perenidade perante a mudança do mundo, sua beleza estonteante que reflete a Beleza Original, sua perfeição admirável, sua tremenda força e vitalidade advindas do amor do Leão da Tribo de Judá e do Pão da Vida Eterna. Todas essas coisas são meros símbolos que serviram e servem de 'prova', a prova desnecessária da Verdade Ortodoxa, de sua Beleza e Eternidade. Só posso me extasiar diante dela, amá-la, me deleitar com ela, com a minha ortodoxia

A verdade não é obscurantista, ela simplesmente não precisa.de provas, longas discussões, ela está tão acima dessas comiserações! Foi por ela que Cristo me chamou, para ela Cristo me chamou, para contemplá-Lo na Divina Liturgia, vê-Lo manifestado no altar santo, novamente se entregando por nós de forma incruenta.

Simplesmente minha ortodoxia é diferente da de Chesterton, minha conversão foi diferente. Saí das salas de debate,das dúvidas filosóficas para o encontro com o Cristo vivo, Puro, sem mancha, dificuldade, empecilho,  sem peso. E assim consegui a liberdade, na Ortodoxia, que só liberta, e livre do peso da existência, conforta, me salva e me prepara para o combate diário contra o pecado.

A eterna luta contra a mediocridade

Sem querer filosofar muito, podemos dizer que a pós-modernidade se caracteriza pela constante luta contra a mediocridade. Mais que contra o tédio, que foi nossa preocupação maior por tantos anos. Não se sente muito tédio hoje, a constante e absurda presença de inúmeras formas de entretenimento parece que pode preencher uma série de 'buracos' existenciais. Mas de forma medíocre. Os tais buracos podem ser sinceras dúvidas existenciais, problemas psicológicos e afins, e eles podem ser sarados pelo confronto com situações semelhantes encontradas na ficção, ou podemos simplesmente nos distrairmos, exercitarmos nossa compaixão por dramas e tensões que não são nossos. Ou podemos sentir uma alegria real por cenas e vidas alegres, despreocupadas.

Enfim, a cultura pop nos proporciona todo tipo de amortecedor, de anestésico ou analgésico para nosso problemas diários e para nossos problemas eternos. Nós consumimos e se a falta dos antigos meios de consolação nos enchia de tédio, hoje o tédio é facilmente saciado, exceto por uns poucos espíritos mais exigentes. Mas como eu disse antes, toda essa morfina é medíocre. É medíocre porque ela não enfrenta o abismo pessoal de cada um, ela apenas o cobre com um tapete puído. Não aborda o homem como ele é, mas o falseia. Não resolve conflitos nem pacifica as almas, ela só pacifica sentimentos e conciliar covardemente. Acaba com os sintomas, não com a doença.

Há outro fator ainda, o principal: o tédio só se derruba com o extasiamento. O homem é sensual, é uma criatura como as outras, que se esvai, só se satisfaz em seus apetites pelo esgotamento de todas a suas forças, todo o seu ser espalhado na sarjeta, na cama da amante, na maca prestes a desmembrar uma vítima. A mediocridade é o oposto disso, é um contentamento infantil, anestésico e que não completa nada, nada leva à perfeição. Permite descanso temporário ao monstro, mas jamais o doma. Só o êxtase. a completude sacia o homem e ainda lhe torna senhor, o reconcilia com a natureza.

Hoje é isso que mais se busca: êxtase. Não o êxtase qualquer, vulgar, a mera exposição, mergulho no caos. Isso é ainda muito para nossos homens e mulheres, é exagero. O que se busca é um detalhe, uma experiência. Sim, tudo se baseia na experiência. Não uma vulgar nem uma longa ou curta, ou uma orgiástica, imoral, destruidora ou criadora. Pode ser um instante ou uma longa semana. Um encontro, um sorriso, uma entrevista ou jantar ou balada. Uma revista ou livro. Filme ou seriado. Ou algo mais substancial, concreto. Ou mais fugaz e movediço. O que se busca é QUALIDADE.

Essa qualidade pela qual estamos obcecados, nós a buscamos onde pareça estar, onde nossos juízos estéticos e mesmo intelectuais julgam estar. E falamos sobre essas experiências, nos expomos, nos abrimos para o mundo, criamos a aura em torno da cultura antes desprezada. E assim vamos abrindo as consciências, aglutinando experiências, e nos revelando nesse encontro com o outro, dividindo essa qualidade, esse instante de êxtase proporcionado. Justa medida. O que se tem na qualidade das experiências é a medida perfeita, a dosagem exata do que precisamos, do que necessitamos para não nos perdermos de vez no nosso próprio abismo. E diretamente. Sem morfina.

Assim, pelo compartilhamento de informações, de vivências, se cria uma unidade, falsa é verdade, uma construção do homem, um homem que não existe, um homem superior. Tal homem é superior aos outros pela sua 'qualidade', seu gosto superior. Ele não é medíocre. Como poderia ser? Ora, tendo gostos tão superiores... o homem pós-moderno ignorou, em sua mania massificadora, que toda individualidade é uma Caixa de Pandora e é única e isso indispõe-no contra toda real unificação, classificação. Ignorar a unicidade das necessidades de um espírito, a unidade estética presente apenas no indivíduo e incapaz de se estender muito além, enfim, essa grosseira incompreensão das necessidades e de como cada arma de luta contra a mediocridade não é JAMAIS uma arma útil para qualquer homem... isso torna a vida monótona, a qualidade vira clichê, a vida se mediocriza.

Assim é a vida pós-moderna uma eterna luta contra a mediocridade.

sábado, 17 de setembro de 2011

Exortação ao perdão dos corações - parte 2

Existem momentos-chaves na nossa vida, eu realmente creio nisso. Momentos de passagem, de travessia, obliteração, destruição. Sejam momentos de criação ou de destruição, ou mesmo de permanência (vale lembrar que a tradição é uma revolução às vezes, exige sacrifício), o fato é que precisamos desses momentos para nos sacudir do torpor, nos indicar um caminho a seguir. O problema é que o destino nos prega peças.

Assim é que você pensa que chegou a um desses momentos-chave e se entrega às mudanças e cataclismas de forma absurda e irrefletida, de um jeito fatalista, e percebe que embarcou em uma canoa furada. É um mal tipicamente geminiano, quer dizer, típico de pessoas impulsivas e indecisas. Acontecem essas decepções frequentemente e, infelizmente, comigo acontecem direto, sempre. É isso que tem me feito sofrer mais que tudo.

Fiquei obcecado com o amor que eu julgava perdido, e isso durou anos, tanto tempo! Foi difícil retomar contato com ela, foi duro e patético. Mas quando me convenci de que não só fui perdoado de forma desonesta, mas também fui esquecido, ignorado... digamos que esse foi um golpe duríssimo. Momento-chave! O amor secaria aos poucos como sentimento, mas felizmente o momento foi certeiro o bastante para que a lembrança dela se tornasse doce e querida, mas distante e nada parecida com ódio ou qualquer tipo de mágoa.

Nossos corações se estabeleceram firmes, pelo menos o meu foi ferido e perdoado. E pelas minhas próprias neuras e obsessões, pelos meus próprios erros e sentimentos ardorosos e idiotas. Ele foi ferido sim, mas ele foi curado. Ele foi curado pela frieza dela, pelo distanciamento, pela nobreza dela. Isso teria me cativado se eu não olhasse essa atitude como modelo, como uma atitude digna de respeito e digna de ser buscada em mim, não copiada, mas buscada. Encontrei minha distância também, minha nobreza, encontrei em mim o sentido de mim mesmo, minha continuidade sem obsessão.

No final, os corações se perdoaram. O coração dela perdoou o meu pela infantilidade, graças ao riso que lhe proporcionou. O meu coração perdoou a frieza winterféllica dela. O coração dela vive se perdoando, por isso, ela é forte. O meu coração também se perdoou, e eu me tornei livre.

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Exortação ao perdão dos corações - parte 1

Saber que nosso amor durou tão pouco tempo e nos pareceu uma eternidade, reconhecer que fomos tão ludibriados pelo coração, que sofremos tanto por conta de um sentimento que jamais deveria 'vir-a-ser'? O amor é uma coisa incompreensível, jamais abstraído e sempre presente em uma variedade de níveis. Por que explicar isso? Para quê?


Eu só queria me lembrar de como era me sentir tão elevado, tão acima do mundo e suas pequenezes, contar com aquele sorriso sério, com as palavras boas da minha alma. Porque você era minha alma, compartilhava dos meus segredos, bebia da mesma fonte da vida, eramos um. Ou assim cria eu. Acreditava na unidade dos nossos instintos, na força das mãos que se apertavam, dos lábios que se tocavam. Você me enganou por dentro antes de me enganar por fora, desviou o fado.


É duro relembrar coisas tristes, mastigar e ruminar os sentimentos destruídos, os cacos do amor, da amizade. Mas o fato é que não houve nada quebrado, porque não havia o que quebrar. Você quebrou minhas esperanças mas continuou intacta. Como? Você não doou nada, não se entregou, nem via e sentia como eu via e sentia. Você foi um furacão silencioso, um anjo na minha vida, um anjo caído que me levou a sanidade, parte da vida e estilhaçou meu coração. Mas isso você só fez porque eu me ofereci inteiro a você, julgando, pobre diabo!, que você faria o mesmo por mim.


Mas você não doou nada, e nem posso dizer que foi por uma falta minha, ou porque você foi fria. Não! Você não doou nada porque não havia o que doar. Você sorria e amava de um jeito caloroso, mas era apenas o lado de fora, era só gratidão e afeição, você não tinha o que amar, simplesmente. Você nem sabia amar! Nem sei se já sabe!

sábado, 3 de setembro de 2011

"Porque o essencial é invisível aos olhos"

Minha impressão mais profunda ao ler o Pequeno Príncipe no fim da adolescência foi de muito amor, não qualquer amor ou um amor específico, mas um amor muito grande pela humanidade. A humanidade concreta, não a ideia 'humanidade'. Existiram outras impressões menos profundas, menos claras, outras bem sentimentais. Aliás sentimentalismo é a palavra que eu buscava, tornei-me sentimental demais nos períodos de leitura, sentimental até com o próprio livro, com a raposinha, com a rosa. Complicado isso.


Lembro de sentir uma reviravolta na minha vida interior: uma tristeza muito grande, uma melancolia profunda, todas essas coisas lindas e maravilhosas que moralizam de dentro, que ensinam e forma, que aquecem o coração, com esperança ou com lágrimas. Lembro de ser reeducado para o sofrimento, para a dor, a aprender a amar o amor.


O "essencial é invisível aos olhos" foi o que mais me tocou, porém, mais até que toda a ideia do 'cativo' envolvendo o pequeno príncipe e a raposinha. Não se trata de credulidade, ou de metafísica, mas de uma valorização dos sentimentos como poucos puderam defender de forma mais simples. Nem Goethe.

Esquecer

A vida nos ensina muitas coisas, talvez as principais sejam a desconfiança, o desespero, a desmedida, o ódio. Viver é portanto esquecer, esquecer as pessoas que te fazem mal, as experiências malfadadas, o cheiro da podridão que exala a sociedade, a 'boa sociedade'. Esquecer é uma bênção, um dom que poucos possuem. Ainda assim é um dom subestimado.

Tenho muito medo de esquecer de esquecer, de perder esse dom, obscurecê-lo, confiná-lo nalgum buraco escuro da minha alma e alimentar outros sentimentos, crescer no odiar, no amar, na profundidade doentia dos impulsos. Eu sou um bom esquecedor, não que eu apenas me livre do rancor, não, isso não é algo ativo em mim, um 'esquecer consciente', é um desleixo no lembrar, o esquecimento mais passivo, quase uma moça delicada que é incapaz de pensar em ofensas porque isso ofende seu gosto. E assim entendo onde está a fraqueza da minha alma. Falta de seriedade.

Por que tudo em mim é assim? Esse choro constante, tristezas que voltam novas e férteis, sentimentos contraditórios, por que essa volúpia, essa fragilidade na eleição de ideais? Por que esse sentimentalismo de moça virgem, essa dificuldade de conviver com o duro, com o sofrimento, e, pior, essa impossibilidade de encarar a mentira, a traição e a intriga? Por que? Eis a espada de dois gumes que é o esquecimento: ele te impede de sofrer e de crescer. Não há maturidade sem um pouco de rancor e decepção, sem ranger de dentes.