terça-feira, 29 de novembro de 2011

Meu quarto escuro

No quarto escuro do meu coração tenho tido tempo e talvez até muita coragem, para examinar o que tem permanecido soterrado, as lembranças mais doces, e algumas mágoas. Eu me impressiono com a minha inconstância, essa facilidade de me desapegar de certos sentimentos e impressões, de todos eles até. Pego-me formando opiniões sobre as pessoas, tendo certeza do que estou fazendo e, instantes depois, tudo se esvanece e não tenho o menor remorso, praticamente não me esforço para transformar meu mundo de juízos em outra coisa completamente diferente.

Assim é que chagas são curadas, dores são apaziguadas. O que me tem doído? Aliás, parece difícil sentir dor esses dias, com todos esses fluxos de alegrias, esses jorros de felicidade que tem sido minha vida nos últimos meses. Mas sempre haverá motivo para nos queixarmos. Dessa vez foi a frustração de um grande projeto, que era só grande mas nada tinha de muito piedoso, era ambicioso e pouco religioso, mas era com a intenção mais religiosa do mundo! Enfim, ruiu...

Mas novos caminhos estão surgindo, Difíceis, sim, caminhos complicados onde não sei onde pisar, nem como pisar, e mal sei porque estou pisando. Mas por que o 'por quê'? Ele é mesmo necessário? Preciso de todas essas razões, de toda essa fundamentação em tudo que faço, ouço, sinto, penso, cheiro, amo? Não, eu não sei se é necessário, não sei de mais nada, só sei que a estrada se abre diante de mim e eu seria muito estúpido em escolher qualquer outra no momento.

Que venha a graduação de filosofia.

No quarto escuro, outros planos são feitos, decisões tomadas, amores esquecidos, paixões nascem e olhares passados formam sentimentos sólidos. Nesse balanço, vejo mais decepção e uma grande insegurança, um medo tremendo. Vejo a esperança mais ingênua, um sonho que me volta frequentemente. Lembro de um olhar em fogo, de uma saudade que não se explica, sinto o que isso representa e estremeço. Acima de tudo, o meu quarto escuro é bem zoneado, escuro, feio, mas é o lugar mais belo, mais natural, o local de reencontro. Pra mim ele é perfeito, porque só nele as coisas fazem sentido.

No quarto escuro do meu coração, vejo um caos, turbilhões de sentimentos contraditórios, um infinito se descortinando diante de mim e as coisas ainda não fazem sentido. Por enquanto só sinto o vento bater no rosto, a estrada não está clara ainda. É perigoso viajar à noite.

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Distância e saudade

Preciso desabafar hoje. Bem, existe a distância nos relacionamentos, da qual falei em posts anteriores. Lembro de ter mencionado que o risco da distância é ela se tornar distante demais e te forçar a criar uma falsa imagem de si mesmo e essa 'máscara' costuma levar amizades pro inferno junto com ela. E é difícil mantê-la, difícil, falso e doloroso. É preciso ser verdadeiro, sim, mas mantendo o pudor. Suponho que essa regra de Nietzsche, que é minha regra também, tem sido violentada por mim...

Não pela profundidade, não, ainda sou capaz de dizer a mim mesmo coisas que não digo em público e sou capaz de me revelar aos poucos e sou igualmente capaz de me descrever e falar de mim sem ser falso e, ainda assim, usando essas informações pra me esconder. São habilidades necessárias, ou algo como instinto de sobrevivência? Talvez seja só fraqueza mesmo, e eu esteja usando de pequenas convicções e pseudo-filosofias para fugir do combate social, penoso e que exige esforço? O que sei é que tal distância é muito difícil de medir e é complicado querer que isso te 'salve' de embaraços. Não há salvação, o embaraço é que une, não é a elegância, a beleza, a força, não!, é a debilidade, a vergonha, aquelas coisas que te expõem e criam uma fraternidade através da dor, da dor transfigurada em riso pela vida que se celebra... agora sim é filosofia! É algo real!

Anyways, a minha falha foi a dissipação, o que me é algo natural. Ou algo patológico. Dissipar-me em múltiplos interesses e amigos, em muitas coisas e pessoas, absorver tudo à minha volta. Isso me conforta, me adapta ao local, diminui o sofrimento, é um atalho, mas... é um caminho de falsidade. Uma estrada sem destino certo, sem destino nenhum. Devo dizer que ser muito seletivo quanto a interesses só pode ser motivo de sofrimento, preferir esse ou aquele grupo pode criar uma limitação muito grande, te fechar em visões muito estreitas de mundo, mas... essa dispersão, essas dúvidas, esse oscilar para lá e para cá, isso não me faz bem e venho pensando há tempos em ser mais sincero comigo mesmo, lutar mais para ser mais autêntico e menos disperso. Que essa dispersão é vontade de nada, é niilismo.

Falando de saudade, é outra coisa que vem me perturbando à exaustão. Apesar disso, é a saudade meu único critério pra definir o quanto tal pessoa é importante pra mim, o quanto ela me influencia (inspira, influencia é meio polêmico), como essa pessoa me atrai e o quanto de dor eu sinto por não tê-la sempre, ou a maioria do tempo, comigo. Uma dessas pessoas deu o empurrão que eu precisava para converter esses processos existenciais em projetos verdadeiros de mudança de mentalidade, e exatamente porque confio que essa pessoa quer o meu bem, se preocupa comigo e bem... é uma pessoa fantástica. Saudade é um bom critério, é um referencial de qualidade, de sentimento verdadeiro.

Saudade que pesa, que arrasta, que desgosta, mas é boa. É boa porque me revela a verdade, me ajuda a afastar o que me faz mal, o que não me inspira nada além de saudade de uma sombra de sentimento, de uma máscara, de um uso das pessoas. Estou me afastando... silenciosamente.

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Tu és responsável pelos pecados do mundo inteiro

Lendo um dos pensamentos dos monges, a necessidade de jamais julgar alguém faz eco aos conselhos do starietz Zóssima, de Dostoievski: "És responsável pelos pecados do mundo todo". O que isso quer dizer afinal? Como podemos ser responsáveis pelos erros, vícios, pecados de todas as pessoas do mundo? Isso é possível? Podemos carregar essa culpa toda, esse fardo pesadíssimo? Isso é mesmo verdade.

Ao se oferecer por nós na Cruz Vivificante, o Cristo nos recuperou do domínio da morte, fundou e purificou Sua Sacrossanta Igreja, e fez mais: ele reuniu a humanidade decaída e salva por Ele na união divina Consigo Mesmo pela força do Espírito Santo. Isso que é a Igreja: sacramento universal de salvação, a peregrina na Terra que anseia pela felicidade eterna no céu. É teantrópica, divina e humana, a única instituição humana fundada, fortalecida e defendida por Deus que nela atua, ama e protege Seus filhos amados.

Assim, temos a comunhão dos santos, a união e comunicação profunda de todos os filhos de Deus como uma corrente inquebrantável de amor, um amor tão forte, tão profundo, maravilhoso que quebra todas as cadeias e limitações da carne e mesmo do espírito humano. O homem se transfigura em nova criatura e inicia na terra sua caminhada de deificação, até ser transfigurado em novo homem e ser purificado, atingir o estado de santidade, o céu. Mas não está só nessa caminhada.

Você, que aspira à salvação, que quer encontrar o Senhor da Vida, o Bom Pai, o Dulcíssimo Senhor Jesus Cristo, o Espírito de Consolo, você que quer ser deificado, se transfigurar no homem novo, todos vocês, cristãos ortodoxos e heterodoxos sinceros na busca, vocês tem um maravilhoso exemplo, um exército inteiro de Santos, apóstolos, mártires e Padres, a interceder por nós com suas orações puras que sobem como incenso diante do Senhor, que ouve com carinho as preces dos seus filhos diletos, a Ele mais próximos.

O maravilhoso exército dos Santos em suas preces por nós, e nos pedidos de orações que dirigimos a eles, assim como dirigimos aos vivos e assim como rezamos a Deus pelos mortos não é nada mais nada menos que a prova de que não há mortos em Cristo, ou seja, o amor do Senhor por nós, na Sua Cruz e na Sua Ressurreição, quebrou todas as barreiras, mesmo as fronteiras da vida e da morte. Pelo batismo nos sepultamos com Cristo e com Ele ressuscitamos, destruindo a morte para nós.

Pela nossa deificação ou afastamento de Deus, garantimos a nossa alma um estado de luz beatífica ou de escuridão. E assim será até o Juízo Final. Mas não falo disso exatamente. Falo da comunhão dos santos.

É a comunhão dos santos que torna verdadeira a sentença: "Tu és responsável pelos pecados do mundo inteiro". O motivo é simples. A comunhão dos santos é como uma grande família onde nos ajudamos uns aos outros com orações e súplicas ao Senhor e, mesmo com as diferenças de estados espirituais, ser cristão é estar inserido nessa família. e isso tem dois lados:

1-se oramos por nós, pelos mortos e pedimos as orações dos santos, essa comunhão é uma comunhão de amor pela sacrifício mútuo e pela generosidade. Isso implica na entrega voluntária pelo outro.

2-mas implica também em nos sacrificarmos uns pelos outros. Não é só orar pelos outros. É orar pelos outros como oramos como por nós mesmos. Quando oramos por nós mesmos, pedimos que Deus perdoe nossos pecados e pedimos não com palavras, mas fazendo metanoia, cheios de arrependimento, de remorso por termos ofendido a Deus e nos prostramos diante do Senhor cheios de humildade, livres de maldade, de sentimentos e pensamentos maus e blasfemos. Toda essa purificação, dificilmente alcançada, é nosso objetivo enquanto desejamos nos salvar, ao orarmos por nossas almas.

Mas e quanto às almas dos outros, e quanto às orações pela saúde e pela salvação de nossos pais, familiares e amigos? Rezamos por eles? E se rezamos, só repetimos as orações? Ou nos purificamos, olhamos para dentro de nós, pelos pecados DELES como se fossem nossos? É isso que implica também a comunhão dos santos, sofrer pelos pecados do mundo inteiro. Aguentar as penas de todos os roubos, assassinatos, violências, imoralidades e blasfêmias cometidas contra Deus. Ser cristão é se santificar continuamente e esse constante processo se dá principalmente pelo sofrimento que nos purifica, sofrimento pelos pecados do mundo inteiro que enche nossos olhos de água, tristeza e angústia pelo mundo que se afasta do Deus e, transbordantes do amor de Deus e a Ele pela humanidade, nós sofremos por todos esses pecados, pedimos perdão por eles, perdão com nossos lábios, corpo, membros, mente, coração e alma.

Sangrar em espírito pelos pecados do mundo inteiro, ser um Cristo, é esse nosso objetivo, nossa vocação, só assim nos libertamos e libertamos o mundo. Só essa beleza salvará o mundo. Só o Cristo renascendo em cada um de nós salvará o mundo e os seres humanos.

domingo, 6 de novembro de 2011

Quando se torna excessivo

Suponho que deve haver um limite de tolerância para certas coisas, uma linha que marca as fronteiras do aceitável e do 'não-é-de-sua-conta'. Eu não creio que possa impedir as pessoas de se meterem na minha vida, é direito delas, de algumas delas. Até certo ponto. Voltamos à 'distância'.

Existe uma certa classe de pessoas que pensam que podem criticar tudo, que podem submeter tudo a seu crivo, seus juízos pretensamente universais, sua visão de mundo tão bem estabelecida, sua filosofia moral. Na maioria das vezes elas nem tem base alguma. Ou muito pouca. E sua consciência de sua própria sabedoria é extremamente variável. Além disso, elas não podem se imiscuir assim na vida das pessoas, tendo ou não, uma base moral firme.

Creio que em tempos de moral tão subjetiva, tão instável, não seja possível fazer um juízo sério das pessoas. Há tempos atrás tínhamos os mestres, os filósofos, as religiões. Isso mudou, esses guias parece que perderam sua credibilidade com os avanços da ciência psicológica, com as críticas dos grandes desbravadores da alma humana como Dostô, Nietzsche, Stendhal, entre outros. Perdemos esse contato.

Outro ponto é a facilidade das redes sociais de interligar toda a internet em torno de um certo padrão flutuante de comportamentos, humor, atitude, um sentimento hipster constante e mutante, uma nerdisse falsa, uma imposição de padrões. O que se consegue é uma uniformização imposta pelas críticas e bullying sempre frequente em vista disso. Não é crítica racional não, é bullying mesmo, quase sempre inconsciente.

Então nos tornamos pequenos monstros que desprezam todo a história moral da humanidade e viramos críticos ferrenhos, de forma quase irracional, de tudo que desafie essa nossa padronização. Aí você não pode culpar ninguém por se sentir ofendido quando você se torna vítima de certas críticas, mesmo as mais idiotas. Você sempre se submeteu, sempre foi parte do sistema, sempre soube que seus esforços pra se submeter eram esforços pra não ser ridicularizado. É como na vida real, mas mais intenso, e menos vívido, mas não menos traumático.

Por isso digo que a internet não tem de ser temida como algo pior que a vida. É a mesma coisa. A internet é o que fazemos dela. Assim como a vida social.

Talvez eu devesse voltar aos velhos mestres, sim, é o caminho mais acertado. E tem outra coisa: na vida real você sempre será cobrado pelas coisas mais absurdas só se você ABRIR a porta da sua intimidade pras pessoas. E se você, como eu, tem facilidade em se abrir, você tem facilidade em deixarem os outros entrarem e colocarem as mãos sujas no seu coração; eles entram, pegam de forma sacrílega seus preciosos ícones, apertam-nos, esmagam, avaliam, medem, julgam tudo, nada deixam intocado.

“Onde está o teu tesouro, ali estará também o teu coração” Mateus 6: 19-21



quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Vida que se esvai - parte 2

Como é viver assim? Sem grandes expectativas concretas, mas cheio de esperanças, as esperanças mais absurdas e fantasiosas, os sonhos mais impossíveis e pior: com a consciência da impossibilidade da realização da maioria desses devaneios. Sentimento de apequenamento, de infelicidade crescente, de ódio que se alimenta da tristeza, a tristeza má, perversa, desumana. Eu não sei bem como vivi, prefiro dizer que senti o peso dessas infelicidades e o suportei porque sou pouco exigente, a cultura e as ocasionais situações de amizade verdadeira que surgiam... me revigoravam.

Saber que tudo estava ali, ao alcance das mãos e não ser capaz de estendê-las, tocar um pedaço da vida, tomá-la e seguir com ela, amando-a e, de certa forma, a devassando da forma mais doce possível. Saber que nossos sonhos foram responsáveis por tamanha deformação da realidade. Mas minha vida não foi só isso, não se resume a isso. Ela foi também amor á razão, ou o que restou dela, foi uma vida de sacrifício constante, de entrega de dúvidas, de certezas afirmadas. Tem sido assim... luta contra tentações.O celibato é coisa pequena.

A primeira grande decepção no amor foi uma escola. A oração foi faculdade, mestrado e doutorado. É errado dizer que as decepções nos forçam a nos esconder,a fugirmos. Se o fazemos é porque não estávamos prontos ainda para a vida, e o destino nos preserva, ou nós tentamos adiar o inevitável. E não há nada novo debaixo do sol. A minha decepção me levou ao celibato por conta do choque, do peso gigantesco de um amor tão grande que já era insuportável carregar, e vê-lo desmoronando daquele jeito... eu preferi jogá-lo de um penhasco, permitindo que um pedaço do meu coração despedaçado fosse com ele, a ter de assistir o sentimento se desgatar, enfraquecer, mudar em ódio, desprezo, naquilo que me destruiria por dentro. Sem nada encontrei consolo em Deus.

Ou na Igreja. Meu despertar espiritual foi na Ortodoxia. Roma foi um engano. Um engano recorrente de dogmas, sistemas, filosofias, morais e outras coisas impostas. Roma não era Deus, era algo demasiado humano que me atraía pelo esplendor. Mas o esplendor secou, parou de brilhar pra mim. A luz da santidade fria foi derrubada pela Ortodoxia.

Esse foi um lado da minha vida. Outro lado foi o calor.

Redescobri-o. O calor de pessoas queridas, a vida se abrindo de novo pra mim, em pernas e portas, mas sempre de forma pudica. Sempre imaculada e devassa a minha vida. Vida em si. A vida que me conquistou veio pelo que ela era: momentos, vivências de partilha de sentimentos, de trocas de rituais significativos, de sorrisos e olhares doces, de profundidade, de álcool e noite. Noite! Fria e doce, noite que nunca aprendi a apreciar, a amar, a querer perto e beijar. E nessa noite, nessas noites, eu via além dos rostos...

Bom, cansei dos hinos à amizade, eles tentam expressar o inexprimível. Por isso falham, embora sejam belos.

Fala-se muito de amizade e nesse post sobre minha vida, posso dizer que mudei, evoluí minhas concepções dela. Valorizo-a bem mais que antes, mas sou cuidadoso com as pessoas. Não espero muito delas, mas algumas pessoas me entusiasmam à loucura... talvez por serem um raio de luz nessas trevas de apatia, ignorância e covardia. Eu mal me seguro, amo demais as pessoas, mesmo quando conheço seus podres, amo as pessoas e me expresso de forma um tanto quanto... eloquente demais. Peço perdão por isso. Pela invasão.

O que é minha vida então? É confusa como esse post. É moldada pela fé, envolta em dúvidas e ilusões sonhadoras. É obsessiva com a realidade, ama ser intelectualizada, no entanto é ignorante. Ela é essa coca-cola toda, sem grandes cenas mas fingindo ser grande, pra me consolar. No fundo, porém, é uma criança que  mal aprendeu a andar e tem suas muitas travessuras antes de chegar à idade adulta. A puberdade será pulada.