segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Vida que se esvai - parte 1

A vida pode ser interpretada de diversas formas, pode ser refletida, abstraída, simbolizada. Ela pode ser uma extensão da subjetividade, a pura objetividade ou mesmo um jogo entre sujeito e objeto. Ela pode ser intermediada por signos, ou ser dada nas nossas percepções como ela é. Tudo isso são interpretações, aproximações do que é a vida enquanto ideia, mas jamais enquanto fenômeno. São ideias, conceitos, mas raramente apresentam-na como ela é, como coisa vivida, como sucessão temporal de eventos e experiências.

Falo da minha vida. Experiências e sentimentos. Vivências. Entre todas as variáveis que envolvem e limitam a vida, o que a caracteriza e identifica são suas vivências, as experiências que experimentamos. Vida é o que se vive, quando se vive, como se vive e, menos importantemente, por que se vive. Ou assim penso. Como foi minha vida?

Minha vida tem sido uma coleção de experiências únicas, de sensações, um saciar de vontades e apetites, principalmente os mais egoístas. Assim se movimenta todo o consumismo, toda  a cultura, como narcótico, sedativo. Tudo isso nos conforta, alivia, mas não é mal como parece. Não é, porque a cultura não é uma de puro otimismo e confiança na vida, na cientificidade. A corrosão da filosofia da vida em sua totalidade, seu enfrentamento de felicidade, virtudes, amores, eternidade e sofrimentos, misérias, ódios e devir, tudo influencia a cultura, e tal cultura recapitula a existência, a simboliza. Satisfaz o apetite interior de não apenas alegria mas também de superação pelas desgraças.

Mas é falso quando a cultura é narcótico apenas, quando não inspira a própria transfiguração. Se a vida permanece estática, se alimentado de sonhos, vivendo as vivências fictícias da cultura, assumindo a pobreza de alma e a riqueza alheia, a nobreza não merecida, o feio inverídico. Vivi assim por muito tempo, cortando meus laços com o mundo real, reduzindo minha vida a uma cópia das vivências da cultura. As lições foram absorvidas, mas o que faltou? O que me esperava era terrível, era preciso contato com o exterior, respirar certos ares mais puros, ser solitário e solidário comigo mesmo.

Decerto que as caminhadas solitárias possibilitam ao espírito voos mais altos, mas falta alguma vivência aí. Não se vive só, de suas próprias experiências, ainda mais quando elas são tão antinaturais. Vou além e digo que só há verdade crescimento, amadurecimento, descobrimento de si na contemplação do outro, no mergulho no outro, no amor, na partilha, no saborear das experiências compartilhadas, na comunhão do olhar, do sentimento, do pensamento. Vida só é vida quando o eu se universaliza, se objetiva e isso só ocorre na troca de olhares, os mais belos e profundos. Amizade é vida.

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Caminho da dor

A nostalgia é algo frequente em mim, mas só é ruim quando acompanhada de sua amiga melancolia. Não se trata propriamente de remorso, mas de um conformismo com aquilo que não se pode mudar. As lágrimas podem descer mas a dor não é insuportável, não dilacera. Ela é constante e pode até ser pior, mas há uma 'convertibilidade' que só a melancolia possui.

É algo que experimentei por um longo período. Minha melancolia era um misto das dores frequente do sonhador que não aceita a realidade e está sempre em conflito com ela. Costumava detestá-la e colorí-la com meus sonhos, falseá-la. Essas contradições, somadas com dores particulares: o devir opressor, as decepções, o amor falso e a vida mal vivida; tudo isso azeda a existência, faz feder o hálito mais exuberante da natureza. Esse estado de lenta putrefação nos prostra em desespero crescente, mas... traz um grande consolo.

Toda a dor da melancolia nasce de um processo racional ou através de um instinto de 'tomar consciência' das mudanças, processos, do desenrolar da vida, de nascer para um mundo racional que absorve e interpreta esses dados. Com o tempo, essa dor da percepção pode ser 'convertida' em uma nova consciência, uma universalização que concilia as contradições, as une em um tecido complexo, mas que faz sentido.

O que ocorreu comigo foi perceber a imensa vulnerabilidade do meu coração, presa das tristezas constantes da melancolia, pressionado por essas dores. A minha reabilitação se deu pelo entendimento da minha situação, pelo debruçar nos meus vícios e problemas, minhas limitações. Entender o que se passa, encontrar um sentido para esses tropeços todos, isso me doeu de forma dilacerante. Entre as decepções, o mais duro foi ver com esses meus olhos como a vida me escapou dos dedos...

Acho que o remorso diante da vida que escorre como água pelos dedos merece um post dedicado a ele.

terça-feira, 25 de outubro de 2011

Minha doce rosa, querida amiga

Nesse uso intermitente de pessoas e ideias, de forma sensual, com o fim de satisfazer minhas necessidades psicológicas, eu acabei conhecendo um pouco da loucura, do peso da negação da realidade. Saber que tudo aquilo que se acreditou e amou por tanto tempo era pior do que uma mentira, era um sonho, um delírio. Foi a grande lição da minha adolescência mais tardia: descobrir como me livrar disso, como enfrentar, como contruir meu verdadeiro eu. Talvez as mudanças que sempre causei ao meu redor e a mim mesmo não passem de um reflexo dessa obsessão com o sonho, com essa visão romântica da existência e essa santificação do sofrimento.

Parei com as lamúrias, vamos em frente. As coisas me pareciam menos desesperadoras quando experimentei um jorro novo de vida, uma reaproximação social, um banho de realidade, realidade das relações verdadeiras entre as pessoas. Era uma porta que eu fechara há muito tempo atrás e permanecera fechada por um longo período. Ver essa efervescência de emoções, essas risadas que alimentam a alma, o contato sem culpa, o fogo da amizade, enfim, tudo isso despertou em mim amor pela realidade, vontade enorme de viver. As máscaras foram caindo, uma a uma, e caí em um torpor grandioso, fui redescobrindo certas coisas, me abrindo para o mundo... isso não é novidade. Ninguém vive isoladamente, por mais que a solidão seja sintoma e causa da doença do sonhador, do sujeito que desiste de viver para sonhar eternamente, deixando a vida passar.

O romantismo inicialmente se sutilizou, apareceu de diversas formas, matizes, cores, e sempre diáfano, com raros momentos de êxtase e nunca amores idealizados ou idealizações de amor nas pessoas, mas verdadeiros enganos. Apenas a doce afeição, a saudade cálida e orvalhal, o sentimento de sentir amor pela primeira vez, não mais sonhar com amor, mas sentí-lo verdadeiramente, não por esta ou aquela mulher mas por várias pessoas que me fazem bem, me confortam, me estimulam e divertem. E eu tento retribuir. 

Claro que houveram perigos. Perigo de me afogar nesse mar, de não me suster e o perigo de não me adaptar, me sentir sempre estranho. Mas isso passou... ou está passando. Como posso comparar e relacionar esses doces sentimentos com essa paz indiferente que sinto hoje? 

Não me importo mais com as grandes paixões, os dramas profundos, as dores intermitentes, os paraísos arruinados... isso prejudica a bílis. E faz sofrer. Eu decidi afirmar a vida em mim, tomá-la nas mãos sem a possuir, sorvê-la, saboreá-la como meu vinho preferido. Não se trata de nenhuma filosofia de auto-ajuda, NÃO!, trata-se de reabsorver a Natureza em mim e nela me dissolver. O que vivo hoje é apoteose, é hino de louvor eterno à vida, tudo encerrado no maior equilíbrio possível, na paz de espírito, no amor entregue, cultivado e bem amado. Tudo em mim canta, canta a Deus e a Seus Anjos e Santos, tudo em mim celebra a paz que se abre ao mundo e deixa a luz do Sol entrar. 

Eu sou a árvore da vida, com os galhos balançando com esse vento, e eu mesmo sou essa brisa suave, quente. Sou essa falta de remorso, essa verdade mutável, sou só um ponto ínfimo no Universo e eis aí minha grandeza, e minha paz. Minha doce rosa, com teus espinhos, a me lembrar do sofrimento que devo aceitar, e tuas pétalas a ressuscitar Tudo em mim, a me purificar e salvar.

Uma longa estrada

Como estou me sentindo nos últimos dias? Sinto-me maduro, adulto. É um grande progresso vindo de quem sempre se comportou como criança, para o bem e para o mal, de quem sempre se orgulhou de agir sem consciência, caoticamente, impulsivamente, tropeçando nas coisas e nas pessoas. Só para sentir remorsos, me rasgar de culpa, corroer minha alma com essas dores, para me levantar e ir vivendo a vida como um palhaço, um fantoche, levado pelo destino e pela vontade do caos. Aí remorsos...

O que mudou? Romantismo. Eu sou romântico, ou pelo menos era, fui por muitos anos. Posso dizer que toda a minha sensibilidade, meu caráter mesmo, foi influenciado pelo meu romantismo, não qualquer romantismo, mas o meu. Seja vendo os finais felizes dos meus desenhos e filmes, séries e livros, muitos romances que me arrancaram lágrimas, eu fui deixando isso me moldar e esse sentimento esteve presente nos meus primeiros delírios de amor. E marcou presença nos anos de decepção, sofrimento pelo amor que eu nunca tive, que nunca existiu. Romântico eu fui nesse tempo todo, seja chorando pateticamente em comédias românticas e em romances que lia exaustivamente, buscando me identificar, na imaginação, com aqueles pobres infelizes e suas dores, alegrias, expansões, medos, esperanças, suas vidas, tão fictícias quanto suas histórias. Narcóticos...

Sim, porque toda essa fantasia era narcótica e se você sai da infância pensando no amor como uma grande brincadeira, que lhe resta? Fantasista, assim me definia. Sonhava por horas com esse amor impossível (que nada tinha de impossível), fantasiava cenas românticas (e impossíveis), finais felizes e caseiros. Minha mente produzia novelas inteiras! Familiar não? Todos nós somos um pouco fantasistas, mas alguns exageram, como o rapaz de Noites Brancas, de Dostoievski. Aquele personagem sou eu cuspido. Impressionante. E o pior efeito dessa doença era o amor que não só era idealizado à estupidez como era retransmitido a todos ao meu redor. Deus sabe quantas me cativaram, por quantos me apaixonei, mas no fundo era só a maldita idealização         .

Eu via as pessoas ao meu redor como autômatos, como pequenas peças de um jogo de xadrez, como se elas não vivessem realmente e só eu pudesse enxergar o 'big picture', por assim dizer. Que filosófico! No entanto, passava longe de crítica a ideologias, mas de submissão a uma ordem de coisas, estados e sentimentos, submissão doentia a uma ordem doentia, e toda aquela confusão de sentimentos, de pensamentos, a euforia causada por um devaneio idílico, as decepções dos sonhos despedaçados porque vivia a sonhar e fugia da realidade, que se tornava feia porque eu a FALSEAVA ao enxergá-la com olhos de sonhador, olhos mentirosos, enganosos, incapazes de enxergar a beleza da vida, da existência.

Aquele rapaz das Noites Brancas devia viver esse mesmo inferno. Deixei de querer parecer com ele, deixei de querer sentir dor.

sábado, 22 de outubro de 2011

Cansei...


Cansei das meias-palavras, meias-verdades, de ficar passando mão na cabeça de quem me provoca, critica e me ofende. Sim, porque fazer piada com o Cristo é uma ofensa gigante pra qualquer cristão.

O Senhor Jesus não morreu numa cruz pra que seus amigos virassem esses covardes conformistas, entediados, e sempre com medo de discutir, de defender a fé, que mal conhecem a fé que professam. Eu não poss
o traí-lo assim. O que Ele me deu e me dá todos os dias não tem conta, Ele me deu tudo.

O mínimo que posso fazer é defendê-Lo, com unhas e dentes, de ataques e acusações, deturpações e acusar esses falsos cristãos que O falseiam, O traem.

Enfim, cansei de ser bonzinho,covarde, conciliador. Isso fode.

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Sou uma pessoa agradável

Alguém me disse uma vez que vivo fazendo tudo para agradar as pessoas. Que minha carência me compele a me fazer 'agradável', palatável. Da mesma forma, minha carência e necessidade de atenção me compelem a ser desagradável, a polemizar sobre picuinhas, até mesmo a ser falso e me fazer interessante às custas dos outros, de sua confiança. Admito que tudo isso tem muita verdade, mas é sempre duro ver como as pessoas te enxergam, de uma forma mais analítica. Felizmente essa pessoa me é muito confiável, sincera até os ossos, alguém em quem posso encontrar conselhos sinceros. Mas...

Eu não me considero uma pessoa desagradável. Não, sou até muito agradável. Escuto as pessoas, suas lamúrias, posso ser um ombro amigo muito sincero. E confidente. Sim, seus segredos estão a salvo comigo. Não brinco com seus sentimentos e posso ser leal até a morte. Sou parte de você se você me abrir a porta, mas sempre estarei como um 'outro', não me confundirei com você, por pudor. Respeito sua privacidade, seus segredos. Tenho os meus. Todos tem. Essa história de dividir tudo com os amigos é uma ideia podre, que acaba com qualquer amizade, ela só cria uma cumplicidade ardilosa, tensa, explosiva, venenosa. Eu prometo te respeitar, te honrar, defender sua honra. É tudo isso por que quero ser agradável?

Não, eu simplesmente não concebo a amizade de outra forma. Essa entrega pelo outro, as confidências sempre presentes, abismos compartilhados, tudo aquilo que se obedece até certo limite, o limite da nobre distância... Isso faz parte da minha concepção de amizade. E tenho poucos amigos, a maioria formada por amigos que são tão distantes, são como companheiros de atividades que riem comigo da vida e se divirtem comigo, e me acham engraçado ou abobado. São pessoas preciosas pelo bem que me fazem, pelas alegrias que compartilhamos mas... eu não me revelo a elas, nem mesmo me revelo à distância. Permaneço desconhecido.

Talvez seja por isso que eu tenha tanta dificuldade em manter amizades. Antes e depois da minha fobia social, isso já existia, e voltou. Tenho a impressão que eu passo pela vida das pessoas como uma quente brisa, algo que as conforta e alegra, às vezes incomoda, mas não se sabe de onde veio nem que está ali. Acabo saindo imperceptível e esquecido. Isso é patético e triste de contemplar. E por quê? Pela distância. Sou extremista demais: não posso me aproximar de ninguém com sinceridade sem me derramar inteiro, sem afogar as pessoas na minha miséria, enlouquecê-las com meu suicídio lento e constante, com minhas verdades absolutas e profundidade fingida. Só me restam as máscaras.

Não sou falso. Só não sou tão verdadeiro quanto gostaria. Por medo. Medo de sufocar. E volto a lembrar minha amiga dizendo que quero ser agradável. Quisera ser simples assim! Sou agradável sim. Por dentro e por fora. Só me é difícil dosar a alma que derramo nas minhas ações, palavras e sentimentos. Sou desequilibrado, caótico, perdido e tenho uma personalidade sombria difícil de lidar. Então acordo de manhã e enquanto tomo meu banho fico pensando quantas pessoas não se anulam, se mascaram todos os dias e noites de Deus. Isso me acalma, me dá uma paz gerada pela identificação com a humanidade. Eu pelo menos tenho um trunfo: eu me conheço. Sei o que se passa comigo. Mas será que eu sei mesmo? Duvido muito.

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

A ortodoxia de Chesterton e a minha Ortodoxia

Apesar de ser um convertido católico romano, o que mais chama a atenção em Chesterton é ser ele um convertido, e um convertido do ateísmo. É interessante ver como ele desmantela, no seu livro Ortodoxia, muitas das falácias e ideias sedutoras do ateísmo 'científico' e niilista sobre a religião, Deus, liberdade, Igreja. Mais que isso: sua defesa inteligente, bem humorada dos ideais cristãos, da ortodoxia cristã, fora de qualquer relativização.
Não. É ainda mais.

Em Chesterton, a ortodoxia, a fé verdadeira e livre de erros, heresias, sincretismos, mas sempre posta em cheque por sua própria natureza de verdade, aliás, a própria busca da ortodoxia se converte em razão maior da vida, da existência e único fundamento do Todo. Para isso contribuem as visões originais do pensador sobre como vê sua vida, antes e depois de tocado pelas graças da Verdade do Verbo da Vida. Isso é precioso. Porém, a ortodoxia dele é polêmica, é um ultimato vigoroso aos ateus e niilistas de forma geral: vocês não possuem nem a verdade que dizem possuir, quanto mais a verdade mais provável.

Tudo se concentra então no buscar da ortodoxia mais provável, na luta constante e inquieta e terrível, no preparo sempre exigido. Enfim, eu... enjoei dessa ortodoxia. Do racionalismo romano é que estamos falando, claro. É belo em sua simplicidade e garboso em sua elegância, altivez, profundidade. Talvez seja até ardiloso, pantonoso tal caminho.

A minha Ortodoxia é diferente. Ela não dá provas de si, ela se manifesta. A Santa Ortodoxia não precisa da filosofia mais que precisa de uma ajudante, não se submete a ela, nem dela necessita para afirmar sua superioridade aos vãos raciocínios humanos, sua perenidade perante a mudança do mundo, sua beleza estonteante que reflete a Beleza Original, sua perfeição admirável, sua tremenda força e vitalidade advindas do amor do Leão da Tribo de Judá e do Pão da Vida Eterna. Todas essas coisas são meros símbolos que serviram e servem de 'prova', a prova desnecessária da Verdade Ortodoxa, de sua Beleza e Eternidade. Só posso me extasiar diante dela, amá-la, me deleitar com ela, com a minha ortodoxia

A verdade não é obscurantista, ela simplesmente não precisa.de provas, longas discussões, ela está tão acima dessas comiserações! Foi por ela que Cristo me chamou, para ela Cristo me chamou, para contemplá-Lo na Divina Liturgia, vê-Lo manifestado no altar santo, novamente se entregando por nós de forma incruenta.

Simplesmente minha ortodoxia é diferente da de Chesterton, minha conversão foi diferente. Saí das salas de debate,das dúvidas filosóficas para o encontro com o Cristo vivo, Puro, sem mancha, dificuldade, empecilho,  sem peso. E assim consegui a liberdade, na Ortodoxia, que só liberta, e livre do peso da existência, conforta, me salva e me prepara para o combate diário contra o pecado.

A eterna luta contra a mediocridade

Sem querer filosofar muito, podemos dizer que a pós-modernidade se caracteriza pela constante luta contra a mediocridade. Mais que contra o tédio, que foi nossa preocupação maior por tantos anos. Não se sente muito tédio hoje, a constante e absurda presença de inúmeras formas de entretenimento parece que pode preencher uma série de 'buracos' existenciais. Mas de forma medíocre. Os tais buracos podem ser sinceras dúvidas existenciais, problemas psicológicos e afins, e eles podem ser sarados pelo confronto com situações semelhantes encontradas na ficção, ou podemos simplesmente nos distrairmos, exercitarmos nossa compaixão por dramas e tensões que não são nossos. Ou podemos sentir uma alegria real por cenas e vidas alegres, despreocupadas.

Enfim, a cultura pop nos proporciona todo tipo de amortecedor, de anestésico ou analgésico para nosso problemas diários e para nossos problemas eternos. Nós consumimos e se a falta dos antigos meios de consolação nos enchia de tédio, hoje o tédio é facilmente saciado, exceto por uns poucos espíritos mais exigentes. Mas como eu disse antes, toda essa morfina é medíocre. É medíocre porque ela não enfrenta o abismo pessoal de cada um, ela apenas o cobre com um tapete puído. Não aborda o homem como ele é, mas o falseia. Não resolve conflitos nem pacifica as almas, ela só pacifica sentimentos e conciliar covardemente. Acaba com os sintomas, não com a doença.

Há outro fator ainda, o principal: o tédio só se derruba com o extasiamento. O homem é sensual, é uma criatura como as outras, que se esvai, só se satisfaz em seus apetites pelo esgotamento de todas a suas forças, todo o seu ser espalhado na sarjeta, na cama da amante, na maca prestes a desmembrar uma vítima. A mediocridade é o oposto disso, é um contentamento infantil, anestésico e que não completa nada, nada leva à perfeição. Permite descanso temporário ao monstro, mas jamais o doma. Só o êxtase. a completude sacia o homem e ainda lhe torna senhor, o reconcilia com a natureza.

Hoje é isso que mais se busca: êxtase. Não o êxtase qualquer, vulgar, a mera exposição, mergulho no caos. Isso é ainda muito para nossos homens e mulheres, é exagero. O que se busca é um detalhe, uma experiência. Sim, tudo se baseia na experiência. Não uma vulgar nem uma longa ou curta, ou uma orgiástica, imoral, destruidora ou criadora. Pode ser um instante ou uma longa semana. Um encontro, um sorriso, uma entrevista ou jantar ou balada. Uma revista ou livro. Filme ou seriado. Ou algo mais substancial, concreto. Ou mais fugaz e movediço. O que se busca é QUALIDADE.

Essa qualidade pela qual estamos obcecados, nós a buscamos onde pareça estar, onde nossos juízos estéticos e mesmo intelectuais julgam estar. E falamos sobre essas experiências, nos expomos, nos abrimos para o mundo, criamos a aura em torno da cultura antes desprezada. E assim vamos abrindo as consciências, aglutinando experiências, e nos revelando nesse encontro com o outro, dividindo essa qualidade, esse instante de êxtase proporcionado. Justa medida. O que se tem na qualidade das experiências é a medida perfeita, a dosagem exata do que precisamos, do que necessitamos para não nos perdermos de vez no nosso próprio abismo. E diretamente. Sem morfina.

Assim, pelo compartilhamento de informações, de vivências, se cria uma unidade, falsa é verdade, uma construção do homem, um homem que não existe, um homem superior. Tal homem é superior aos outros pela sua 'qualidade', seu gosto superior. Ele não é medíocre. Como poderia ser? Ora, tendo gostos tão superiores... o homem pós-moderno ignorou, em sua mania massificadora, que toda individualidade é uma Caixa de Pandora e é única e isso indispõe-no contra toda real unificação, classificação. Ignorar a unicidade das necessidades de um espírito, a unidade estética presente apenas no indivíduo e incapaz de se estender muito além, enfim, essa grosseira incompreensão das necessidades e de como cada arma de luta contra a mediocridade não é JAMAIS uma arma útil para qualquer homem... isso torna a vida monótona, a qualidade vira clichê, a vida se mediocriza.

Assim é a vida pós-moderna uma eterna luta contra a mediocridade.