domingo, 8 de janeiro de 2012

Meu celibato

O celibato é um mandato divino de Nosso Senhor, não um mandamento, é um voto de radicalidade evangélica, um seguimento mais perfeito e íntimo de Jesus Cristo, a vivência de uma pureza, de uma castidade mais profunda, são votos sagrados de tentar se manter puro e incólume à carne, apesar das quedas, erros, tentações, recaídas. Essa é a visão religiosa do celibato, que me é especialmente cara, a que me fez optar por esse caminho, três anos atrás.

Mas a vivência do celibato é mais complicada, ela não se baseia na força moral do indivíduo nem em milagres, a permanência da castidade é uma guerra, uma guerra constante e brutal contra todos os instintos supostamente mais naturais do homem, uma batalha incessante contra as paixões despertadas pelos sentidos. A vida sempre é luta, sempre é guerra, mas raramente é levada a picos tão elevados quanto o é na vida espiritual. E no pico da elevada montanha da vida espiritual está a moral sexual, a lei natural que regula os nossos deveres de combate, de luta contra tais instintos.

O celibato é guerra. Não só uma guerra contra os instintos sexuais; tal luta pertence ao domínio da castidade, necessário para qualquer casal temente a Deus. O celibato é um compromisso mais profundo, não só eclesial, mas profundamente pessoal, uma promessa de vida. Ele é a vida do homem que não toma esposa para si, é a vida de quem sacrificou todas as delícias e dificuldades da vida marital, da vida conjunta com um amor. É uma escolha difícil, uma decisão dura a se fazer e nunca sabemos o que ela pode nos custar, o que tal promessa exige de nós. O celibato é quase um egoísmo, uma arrogância, é se por na frente das necessidades naturais, é a arrogância de achar que se pode resistir à natureza, ao poder imenso do amor de uma mulher e, pior: a recusa de procriar, encher a terra, povoar o planeta, participar do processo natural de gerar um filho. Que arrogância um homem querer se privar disso, ser masoquista a esse ponto e, ao mesmo tempo, senhor de seus prazeres, querer fugir a esse dever!

Assim grasnam os críticos do celibato. Mas quão pouca verdade há nisso! O celibatário não pode ser arrogante, senão se nada vale o seu celibato, torna-se um puritanismo vazio, destituído de significado. E se ele é egoísta, jamais poderá ser casto, matando o celibato concreto, alimentando desejos frequentes... e por quê? Porque toda a resistência necessária para se vencer o pecado, as tentações, se manter casto e se viver o celibatário como ele deve ser vivido, isto é, como filosofia de vida e exigência radical de uma fé radical... o que é necessário, só Ele dá, só o Senhor. Isso significa que só muita oração, só uma entrega total a Deus, uma vivência profunda da fé, uma espiritualidade madura pode fazer frutificar o espírito do celibato, o amor que ele irradia.

Amor, falei que escreveria sobre o amor. Celibato é amor. É o amor mais sincero, verdadeiro, complexo e profundo que existe. Antes é amor por Deus, entrega à Sua Vontade, Seus Desígnios e Planos, é sacrifício e assumir um novo estilo de vida. Duas faces: se sacrificar ao mundano, morrer para o mundo de forma espiritual, viver para o Reino na castidade total, assumir outra vida, mais pura e iluminada.
Assim é o celibato.

Mas falemos agora, menos romanticamente, do meu celibato.

Eu decidi ser celibatário por coerência. Quando santo Agostinho, pelo exemplo de santidade e filosofia, me fez enxergar no cristianismo a filosofia mais pura, verdadeira e completa que existe, eu o assumi na Igreja católica. Decidi-me por ser padre, como meu santo querido. E sabia que o celibato seria uma das coisas pedidas, exigidas. Pensei em assumi-lo como outros sacrifícios espirituais, sem meditar propriamente nele. Foi mais difícil assim. Havia acabado de perder a virgindade e o mundo do sexo se mostrava claro, luminoso, brilhante para mim. Jogar todas essas delícias e prazeres fora custou-me e ainda havia tanta imaturidade quanto ao meu futuro como sacerdote, como eunuco pelo Reino dos Céus.

O primeiro ano se passou entre muita estranheza pra mim e especialmente para as pessoas ao meu redor. Enfrentei as censuras dos meus pais que não queria nem saber de seu filho único não ser capaz de lhes dar um neto, enfrentei isso e outras censuras, pessoas dizendo que eu não conseguiria, outros que era uma loucura. E eu quase não consegui mesmo, fraquejei muitas vezes, e caí, confesso que caí muito. E por quê? Caí porque faltava Deus, faltava eu ir busca-lo, e eu sentia que só Ele poderia me dar forças. Não haveria técnicas, só oração, muita oração e firme propósito, não uma propósito do 'vou conseguir', mas a certeza 'Ele  me ajudará a conseguir'. E assim passou esse ano.

O segundo ano me apresentou uma pessoa mais serena. Sexualmente. Tive muitos problemas em 2010, muitas coisas nebulosas, muitos sonhos que não se realizavam, e uma memória sempre presente de um amor que parecia não me abandonar, parecia ser impossível de esquecer. Foi o segundo desafio. O celibato não me pedia apenas castidade sexual, pedia entrega de qualquer amor a Deus e, por Ele, pela humanidade. Não podia ser egoísta de amar uma única alma nem ousar sonhar com um futuro ao lado dela. Eu não podia fraquejar nesse teste. Mas fraquejei... e o amor nunca foi tão romântico. Nunca foi tão proibido, tão bom, tão amargo e doce, nunca foi tão contraditório, até que a taça se derramou... ninguém valia tamanho sacrifício, ninguém além de Deus.

O terceiro ano foi um ao de provação, de milhares de dúvidas religiosas, doutrinárias, combate duro e incessante. Foi um ano de relativismo moral, um ano de quedas fortes. Um ano ruim, 2011. Faltaram desafios, objetivos, faltou firmeza, pequei errei demais. Não cometerei aqui o erro de culpar as boas coisas que me aconteceram por essa fraqueza. A culpa é da porta que abri para os demônios me atormentarem com tentações várias e dúvidas tenebrosas. Que ano ruim foi 2011.

O que posso dizer sobre o meu celibato é que foi mais uma sucessão de recaídas e fortes sentimentos pessoais da presença de Deus, ou seja, ele caminhou junto com a minha espiritualidade, foi tão recalcitrante e firme como foi minha fé. Os dias se passavam sem desejos, mas a vontade firme se enfraquecia a cada pequena dificuldade, a cada passo em falso. Tornou-se difícil seguir e quando me converti à Igreja Ortodoxa, parece que tudo ficou mais dificil. Além da castidade, haviam os jejuns mais pesados, um maior comprometimento com a vida eclesial e litúrgica, problemas maiores no estudo da doutrina, questões sobre a vocação e mesmo pensamentos sobre amor, namoro e futuro casamento, o tipo de tentação mais dolorosa. A minha vida celibatária pretendeu ser correta demais, tentou abocanhar mais que conseguia mastigar e, talvez por isso, se esqueceu que o cristianismo é um caminho de etapas, de progressivas quedas, retomadas e vitórias, se sucedendo umas ás outras, é uma escalada irregular, demais.

Como será 2012? Como será que enfrentarei as novas tentações, as novas dificuldades? E quais serão elas? Como serão elas? Serei capaz de resistir a elas? Pela graça e vontade Deus Nosso Pai, espero que sim, mas não posso mesmo ter certeza. Nem sei se poderei enfrentar os velhos problemas, fora ter de lidar com minha vida mundana, sempre atribulada. Eu não sei mesmo o que me espera. Talvez o fim do celibato e uma nova vida. Mas isso não pode ser uma esperança, tem de ser uma possibilidade e nada mais que isso. Eu não posso controlar os planos de Deus para mim mas posso resistir até onde Ele achar que devo. E esperar pelos bons frutos dos meus trabalhos e orações. E que não seja eu o único beneficiado delas.

Se Deus quiser.

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